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Entrevistas Terapia fotodinâmica ajuda a tratar feridas em pés de pessoas com diabetes

Uma ferida nos pés pode parecer inofensiva, mas se não for tratada com urgência pode evoluir rapidamente para uma complicação. Confira a entrevista com o médico cirurgião vascular, Dr. João Paulo Tardivo.

Letícia Martins | 23/05/2022

Por Letícia Martins, jornalista especializada em saúde

Uma ferida nos pés pode ser, aparentemente, algo inofensivo, mas se não for tratada com urgência pode evoluir rapidamente para uma complicação. O tema é difícil de abordar, afinal, quem quer falar sobre um membro amputado? Ninguém! É por isso mesmo que trabalhamos tanto com a informação para prevenir aquilo que é possível de se evitar e tratar o que já instalou.

Ao produzir a Revista Momento Diabetes nº 32, cujo tema principal abordou os cuidados com a pele e os pés de quem tem diabetes, entrevistei o médico cirurgião vascular do Ambulatório de Pé Diabético do Hospital Municipal de São Bernardo do Campo (SP), Dr. João Paulo Tardivo, que generosamente concedeu uma hora do seu tempo para falarmos sobre o assunto.

Percebi que estava diante de um profissional que dedica a carreira a tratar pessoas com diabetes que chegam até ele com problemas graves nos pés decorrentes do diabetes mal controlado. Ele também dedicou muitos anos e energia para pesquisar (e defender) a terapia fotodinâmica, que se baseia no uso de luz, compostos químicos chamados de fotossensibilizadores (que absorvem a luz e geram espécies reativas de oxigênio) para causar a morte de micro-organismos que estão infectando o tecido dos pés. Assim, é possível tratar feridas que poderiam evoluir para amputação por exemplo.

Doutor e Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) e professor associado da disciplina de cirurgia vascular da FMABC, ele também orienta como cuidar dos pés para evitar que uma ferida se transforme em um problemão. Confira a seguir.

Momento Diabetes: Como o senhor começou a tratar pessoas com diabetes?
Dr. João Paulo Tardivo: Minha mãe era diabética e ela foi diagnosticada quando eu tinha 9 anos de idade. Por isso, quando decidi fazer faculdade, escolhi uma profissão que pudesse ajudar as pessoas com diabetes. Endocrinologia seria a área mais próxima, mas eu achava que não tinha muito a ver comigo. Acabei indo para a cirurgia vascular. Eu atendia muitos pacientes com feridas nas pernas e nos pés e minha preocupação era encontrar alguma alternativa para melhorar a evolução desses quadros. Muitos pacientes chegavam para atendimento com o membro bastante comprometido e prestes a amputar. Na época, nós tínhamos somente algumas pomadas para tratar o problema. Eu havia visto em algum lugar que o laser ajudava a cicatrização de feridas. Duvidei um pouco disso, afinal como uma luz tão fraquinha poderia dar resultados interessantes no processo de cicatrização de feridas? Então, em 1987 comecei a pesquisar o assunto, sendo um dos pioneiros a fazer isso no Brasil. Como era algo novo na medicina, fui desacreditado na área e muitos me consideraram um charlatão. Mas eu estava movido por algo maior, queria mudar o trágico destino de pacientes diabéticos que tinham suas pernas ou pés amputados por causa da doença. Publicamos o primeiro trabalho no início de 2009. Hoje, encontramos na literatura médica vários estudos com a terapia fotodinâmica (TFD). Ainda bem!

Como funciona a terapia fotodinâmica?
Dr. João Paulo Tardivo: Muitas pessoas podem pensar na energia da luz como algo meio místico, mas não é. Pense que se não fosse a clorofila captar a energia do sol, não existiria a fotossíntese das plantas, logo, não teríamos carboidrato nem oxigênio. Então, essa energia do sol é fundamental na vida do nosso planeta. Quando usamos a TFD, estamos nos valendo de uma molécula que vai captar a energia eletromagnética de uma fonte de luz artificial para combater as bactérias de uma ferida para que ela cicatrize. A imunidade de quem tem diabetes tende a ser mais baixa do que a das pessoas sem a doença e isso provavelmente está relacionado com a falta de insulina. Logo, a insulina é importante na imunidade e nas reações bioquímicas do corpo. Sendo assim, a pessoa que não produz insulina ou tem resistência insulínica pode apresentar uma resposta mais fraca às infecções, estando mais propensa a se contaminar e infeccionar. Por outro lado, a falta de insulina aumenta muito a quantidade de glicose no sangue. Essa glicose em excesso na corrente sanguínea se liga a proteínas e acaba entupindo tanto a macro quanto a microcirculação. Desta forma, quanto mais tempo o indivíduo tem de diabetes e quanto menos ele se cuida, maiores são os riscos de desenvolver complicações, tanto nos pés como em outros órgãos do corpo.

O que é exatamente o pé diabético?
Dr. João Paulo Tardivo: O pé diabético é um misto de neuropatia com doença vascular obstrutiva crônica. A perda da sensibilidade é o maior problema, porque a pessoa se machuca e não percebe. Já recebi pacientes com alfinetes e tachinhas enfiados no pé e eles não sentiram nada. Certa vez, atendi uma pessoa que passou um dia inteiro trabalhando com um prego enterrado entre a sola do sapato e o pé sem que ela se desse conta. Na hora que ela foi tirar o calçado, ele não saía. Resultado: a pessoa teve uma tremenda infecção.

Essas cenas são bastante comuns?
Dr. João Paulo Tardivo:
São! Outro dia recebi um senhor aposentado, que estava cuidando do jardim descalço. O chão estava muito quente, mas ele não percebeu e queimou toda a planta dos dois pés. Também já atendi um jovem que foi atravessar a avenida da praia descalço e não sentiu que o asfalto estava fervendo. Teve queimaduras sérias. Então, é muito comum a pessoa com diabetes se machucar e não perceber.

Quais são os outros sintomas de pé diabético?
Dr. João Paulo Tardivo: Outra coisa muito comum é a formação de calosidades. Quando o paciente tem sensibilidade, faz uma caminhada e sente alguma dor ou desconforto, ele ajeita o calçado se estiver apertando ou altera a pisada. Mas quem não tem sensibilidade nos pés não consegue perceber isso e ficará pisando sempre errado. O atrito fará surgir o calo, depois uma bolha e pode evoluir para uma úlcera. Ou seja, a pessoa não percebe que o pé está doendo, cria-se uma ferida, muitas vezes minúscula, que vira uma porta de entrada para bactérias e infecciona. Acredito que a maioria dos pacientes se contamina em casa mesmo, na hora do banho, porque o banheiro é um dos locais mais contaminados da residência. As bactérias da água penetram naquela feridinha e a pessoa só vai perceber quando o pé ficar vermelho e inchado.

Uma pequena ferida pode evoluir rapidamente para uma amputação?
Dr. João Paulo Tardivo: Quando não tratada a tempo, as feridas nos pés podem evoluir para uma úlcera plantar e atingir o osso, levando, muitas vezes, à amputação. Como a pessoa com diabetes tem uma deficiência na resposta imune contra essas agressões bacterianas, esse quadro de ferida com infecção pode progredir rapidamente. Em dois ou três dias o pé tende a ficar muito comprometido e o paciente pode perder o membro em dez dias, ou até em menor tempo, se não tratar. É tudo muito rápido! Muitas vezes, as pessoas não procuram o médico imediatamente e tentam resolver em casa. Outras vezes, procuram um médico não especialista no assunto, que receita antibióticos. Antibióticos por si só não resolvem, só mascaram o problema. Assim, a infecção fica cada vez mais profunda até atingir o osso, causando a osteomielite. Ainda existe um conceito equivocado, um paradigma, de que o osso doente tem que ser removido. Por isso, quando o paciente procura um serviço médico com o dedo doente, em estado grave, ele acaba sendo amputado. Foi assim que comecei a pesquisar a terapia com fotodinâmica que comentei no início da nossa entrevista e esse trabalho foi tão bem-visto na literatura médica que eu me entusiasmei a dar continuidade. Passei o ano de 2010 todo estudando os pacientes com diabetes. Um estudo que nós fizemos na Faculdade de Medicina do ABC mostrou que dos 218 pacientes que nos procuraram, 152 tinham infecção nos pés e 89,47% deles foram salvos da amputação com a terapia fotodinâmica.

Ou seja, a amputação não precisa ser a primeira opção…
Dr. João Paulo Tardivo: Exatamente! Claro que cada caso é um caso, e precisamos avaliar. Depois de algum tempo fazendo tratamento com fotodinâmica, começou a me incomodar os casos de pacientes com feridas nos pés que não melhoravam e passei a anotar tudo. Após analisar esse vasto material, cheguei a uma nova forma de avaliação, na qual o pé recebe uma classificação. Baseada nesta nota, é possível saber quais as chances que aquele membro tem de ser salvo ou de ser amputado. Publiquei esse algoritmo em 2015 com o meu nome (Algoritmo de Tardivo). Fiquei muito feliz com o resultado, porque agora, independentemente do aspecto clínico, tenho mais segurança em dizer se aquele paciente está evoluindo bem ou não no tratamento. Por exemplo, muitas vezes, o aspecto clínico está ruim, dando a impressão de que o paciente está piorando. Mas se a nota dele se mantém, então temos esperança de que ele vai ter um bom resultado no final. Em 2019, participei de um simpósio que ocorre a cada quatro anos e descobri que meu trabalho foi aceito na comunidade médica. Em 2017, o Algoritmo de Tardivo foi validado por um serviço médico tutelar na Venezuela e em 2018 foi validado e aceito no maior hospital geral de Bali, na Indonésia. Acho que o grande diferencial do Algoritmo de Tardivo é ser bastante simples de aplicar, não precisa nem de computador, podendo auxiliar os médicos em centros de saúde, hospitais e prontos-socorros na escolha entre o tratamento ou a amputação. Estou muito satisfeito com a repercussão que ele está tendo na comunidade científica e principalmente por saber que muitos pés estão sendo salvos.

Qual o perfil dos pacientes tratados com fototerapia e as chances de sucesso?
Dr. João Paulo Tardivo: Cada pé tem características diferentes, que refletem na conduta e no desfecho do tratamento. A maior parte dos casos tem grandes chances de salvamento. Apesar de nossa equipe usar a terapia de fotodinâmica há pelo menos 11 anos, ela ainda é considerada novidade no Brasil. O público-alvo geralmente é de pessoas com maior tempo de diagnóstico e idade acima dos 58-60 anos de idade. Mas tenho pacientes com 30 anos de idade. Ou seja, a idade não significa gravidade. Importa mais saber como está o controle glicêmico deste paciente.  A pessoa com diabetes precisa ter a consciência de que o controle da glicemia é algo muito sério e que precisa ser bem cuidada.

Já ficou claro que é possível prevenir complicações nos pés de quem tem diabetes. Quais são os cuidados importantes para evitar feridas, calos, úlceras e, lógico, amputações?
Dr. João Paulo Tardivo: É importante que toda pessoa com diabetes seja examinada pelo menos uma vez por ano por um especialista em pés ou pelo seu médico de confiança. Ele vai verificar se o paciente tem ou não sensibilidade no pé e orientá-lo quanto aos cuidados que deve tomar. Quem tem diabetes não deve andar descalço, jamais colocar o pé no chão quente, usar um calçado adequado e examinar os pés todos os dias. Se não conseguir fazer o autoexame, peça para algum familiar ou amigo, porque qualquer coisinha, uma micose mais grave, por exemplo, pode levar a um quadro de pé diabético. Uma “topada” qualquer pode virar uma dor de cabeça, pois isso já é suficiente para desencadear algo mais sério. Antes de colocar os sapatos, verifique se não tem nada lá dentro, porque às vezes cai algum objeto no calçado que ficará em atrito com os pés e o paciente sem sensibilidade não vai notar. Depois do banho, deve-se manter o pé bem seco para evitar micoses. E, por fim, mas muito importante, cuidar da glicemia. Sempre.

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