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Entrevistas Martha Amodio é nutricionista e mãe-pâncreas

Depois de superar a difícil fase do diagnóstico de diabetes da filha, Martha Amodio deu um novo sentido à sua vida pessoal e profissional.

Letícia Martins | 24/09/2019

Martha Amodio é nutricionista e mãe-pâncreas

Especialista em nutrição clínica e funcional, a nutricionista Martha Amodio, de São Paulo (SP), nunca quis tratar pessoas com diabetes. Como muitos, ela achava que a disfunção tornava a vida dos pacientes cheia de restrições, porém, quando sua filha Clara apresentou os primeiros sintomas da condição, Martha teve que repensar sua atitude.

Mesmo sendo profissional de saúde, Martha passou pelas fases de negação, revolta e tristeza até aceitar a condição da filhota, e procurou por informação sobre tratamento, cura, alimentação, causa etc.

Foi difícil encarar a nova realidade, assim como é para qualquer mãe que descobre que o filho tem uma doença crônica, mas a volta por cima veio de onde Martha menos podia imaginar. “Dois anos após o diagnóstico, estávamos na praia, e a Clarinha me disse: ‘mãe, percebo que tenho uma vida muito melhor que a de outras crianças com diabetes e você sabe tanta coisa sobre o assunto, né? Por que não criamos um blog para ajudar os outros?” Nesse momento ela me fez enxergar que tínhamos uma missão”, relembra.

Na 4º  edição da Momento Diabetes, fizemos uma entrevista com a nutri, que na época, além de atender a diversos pacientes e famílias com diabetes na Clínica de Especialidades Integradas, na capital paulista, criou com a amiga Fabiana Couto, coach de saúde e bem-estar, um canal no YouTube com programas quinzenais de entrevistas sobre diabetes. No Cozy Diabetes Mais Leve, os convidados contam sua história profissional e pessoal de envolvimento com a causa e, de quebra, ensinam a fazer uma receita deliciosa. “Cozy, em inglês, significa acolhimento e o objetivo do nosso programa é promover a educação em diabetes de forma inter e multidisciplinar, com foco no aspecto emocional e nutricional. Queremos educar com inspiração e leveza”, disse.

Conheça um pouco mais sobre a história dessa mamãe-pâncreas, que aprendeu com a própria filha a conviver com o diabetes de forma positiva.

 

Momento Diabetes: Como você descobriu o diabetes da sua filha?

Martha Amodio: Percebi algumas mudanças no comportamento da Clarinha, como acordar várias vezes à noite para fazer xixi e beber muita água durante o dia, além do que era habitual. Ela também ficava bastante irritada quando contrariada, algo bem estranho considerando o jeito sempre meigo dela. Comentei com o meu marido que aqueles eram sintomas de diabetes, mas acabamos concluindo que eu estava sendo influenciada pela minha experiência profissional. Porém, um dia, atendendo no consultório, fiquei muito preocupada e liguei para a pediatra da Clarinha, que pediu para irmos imediatamente ao pronto atendimento. Assim que chegamos foi feito o teste de ponta de dedo e a glicemia da minha filha estava em 380 mg/ dL. Isso aconteceu no dia 28 de agosto de 2012. A Clarinha tinha 6 anos de idade.

MD: Nessa época, você já atendia pacientes com diabetes no seu consultório?

Martha: Não. Nunca gostei. Acho que passei por um pequeno trauma na época da faculdade. Na primeira semana do meu estágio no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, fiquei na pediatria e, ao ler os prontuários dos pacientes, percebi que quatro crianças estavam internadas na Unidade de Terapia Intensiva. Perguntei o motivo para a equipe responsável e recebi a seguinte resposta: “são crianças com diabetes e, na maioria dos casos, se descobre assim, quando entram em coma”. Fiquei chocada. Esse episódio e o fato de gostar muito de doce me afastaram do diabetes. Anos depois, me especializei em nutrição clínica e o tema da minha conclusão de curso envolvia pacientes com diabetes tipo 2. Passei, então, a ter um olhar diferenciado para a condição, embora ainda não tivesse vontade de trabalhar com esse público. Como eu poderia falar para alguém não comer tantas coisas que eu adoro? Impossível, pois só conseguimos clinicar de verdade quando acreditamos e praticamos aquilo que estamos falando.

MD: Qual foi a parte mais difícil do diagnóstico?

 Martha: Enfrentar uma condição incurável. Passamos a vida toda estudando e acreditando que para tudo há um jeito, mas quando ficamos sabendo que o nosso filho tem uma doença cuja cura ainda não foi descoberta, nos falta o chão. Outro momento difícil: entender a causa da doença. Eu queria saber o máximo possível sobre ela, mas todos os estudos que lia traziam a mesma conclusão: causa desconhecida.

MD: Como superou essa fase difícil?

Martha: Percebi que precisaria estar bem para cuidar da Clarinha e da minha família, afinal tenho um marido e mais um filho. Fiquei um ano de luto e passei por todas as fases, mas percebo que não estacionei em nenhuma delas. Rezei muito, contei com o apoio da minha família e tentei, dia após dia, voltar à rotina que tínhamos antes do diagnóstico. A minha visão sobre o diabetes mudou totalmente quando acabou a fase do luto e fiz o curso Educando Educadores no início de 2015.

MD: Por que decidiu aproveitar sua experiência pessoal na prática profissional?

Martha: Dois anos após o diagnóstico, estávamos na praia, e a Clarinha me disse: “mãe, percebo que tenho uma vida muito melhor que a de outras crianças com diabetes e você sabe tanta coisa sobre o assunto, né? Por que não criamos um blog para ajudar os outros?” Nesse momento ela me fez enxergar que tínhamos uma missão. Como sempre fui nutricionista de corpo e alma, não queria fazer um blog, queria fazer outra coisa na qual pudesse explorar esse meu melhor lado: a nutrição com base científica. Já temos blogs maravilhosos sobre o tema, mas falta muita educação nutricional, não só para quem tem diabetes, mas para todo mundo. Foi assim que surgiu o Cozy Diabetes Mais Leve, um canal no YouTube no qual eu e minha amiga Fabiana Couto conversamos com especialistas de diversas áreas sobre diabetes, alimentação, bem-estar e muito mais.

MD: E o que mudou na prática clínica?

Martha: Agora atendo a pessoas com diabetes e suas famílias. Procuro fazer um trabalho de educação em diabetes, focado no aspecto nutricional, emocional, com inspiração. Sempre mostrando que é possível colocar em prática vários hábitos que ajudam muito no dia a dia. Faço muito encaminhamento para psicólogos, médicos, dentistas, especialistas em produtos etc., pois acredito muito no trabalho multi e interdisciplinar. O diabetes é uma condição crônica e complexa que não deve ser tratada apenas por um profissional.

MD: Como seu outro filho encara toda essa situação?

Martha: O João tem 15 anos e sempre foi muito parceiro. Quando meu marido e eu viajamos, é ele quem ajuda a irmã. Ele sabe aplicar insulina, medir a glicemia, trocar o cateter da bomba de infusão de insulina, entre outras coisas. Além disso, faz as filmagens e ajuda nas edições dos programas do Cozy. Percebo que, depois do diagnóstico da irmã, ele se tornou um ser muito mais humano e sensível. O que é ser mãe de uma adolescente com diabetes? Martha: Mesmo que esteja completamente sem forças, mãe de “docinho” está sempre disposta a ir até o fim do mundo na busca de qualquer fio de esperança. Nunca pensei que fosse dizer isso, mas é um privilégio. Minha filha me ensina diariamente que pode dar tudo errado, mas uma hora dá certo e tudo fica bem. A Clarinha é minha inspiração. Às vezes, vejo pessoas reclamando tanto das coisas e ela, que tem motivos para reclamar, está feliz, otimista.

Deixe uma mensagem para todas as mamães-pâncreas que estão lendo esta entrevista.

Martha: Para as mães que estão descobrindo o diabetes do seu filho agora, eu diria: tenham força e fé, vivam o luto, mas não estacionem em nenhuma das fases, esse luto bem vivido irá fortalecê-las. Não tenham pena do seu filho, eles odeiam isso. Estabeleçam rotinas e deixem claro desde o diagnóstico que há coisas que são negociáveis e outras não, e que o objetivo de vocês é o mesmo: manter a condição controlada para viver uma vida plena e feliz, sem complicações nem restrições. Para todas as mulheres, um conselho: não se culpem e não se cobrem tanto pelo diabetes do seu filho. Façam o seu melhor, procurem orientação, criem uma equipe de apoio (médico, nutricionista, psicólogo, enfermeira, educador físico, família, amigos, animais de estimação e Deus), e tenham sempre a certeza de que vamos errar, mesmo querendo acertar. Não sabemos tudo e precisamos aprender cada dia. Para finalizar: não deixem seu marido ou o pai do seu filho viver às margens da condição. Incluam-no no processo desde o início. Se é necessária uma equipe multidisciplinar de saúde para tratar o diabetes, imagina apenas uma pessoa assumir toda essa responsabilidade em casa! Não somos mulheres maravilhas, precisamos de ajuda profissional e emocional no dia a dia.

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