Antes de dizer a frase acima, a gaúcha Steffane Strogulski Pazetto, 28 anos, havia procurado insulina em mais de dez farmácias. “Foi desesperador não encontrar nada”.
Diagnosticada com diabetes tipo 1 (DM1) há quase duas décadas, ela mora em Canoas (RS) e foi uma das primeiras pessoas a receber as doações enviadas de todo o Brasil ao Instituto da Criança com Diabetes do RS (ICD-RS), que vem fazendo um trabalho essencial em meio à tragédia. Até o dia 15, o ICD-RS já havia entregue mais de 10 mil insumos a quem precisa no RS.
Com exclusividade, a Momento Diabetes entrevistou Steffane no dia 14 de maio, por volta das 20h, pouco tempo depois do reencontro dela com o hormônio que a mantém viva. Estudante de nutrição, Steffane necessita, por mês, de quatro análogos de insulina de ação ultrarrápida (Lispro) e quatro análogos de insulina de ação prolongada (Lantus) para tratar o diabetes e viver. Ela conta que sempre recebeu as insulinas no ICD-RS e que jamais imaginou passar por tamanho desespero.
Confira na entrevista a seguir, conduzida pela jornalista Letícia Martins, editora-chefe da revista Momento Diabetes, os detalhes dessa busca desesperadora de Steffane pelo hormônio da vida e como ela está lidando com o tratamento do diabetes em meio a um cenário de calamidade pública.
Letícia Martins: Steffane, obrigada por conceder esta entrevista à Momento Diabetes neste momento de muita dor e apreensão. Como você e sua família estão? Sua casa foi atingida pelas enchentes?
Steffane Pazetto: Minha família e eu estamos em segurança. Minha casa não foi atingida diretamente pelas enchentes, mas como a cidade é dividida pela Trensurb, linhas de trem de Porto Alegre, o lado que foi atingido veio praticamente todo para o nosso. As pessoas que tiveram suas casas inundadas estão em abrigos e quem não foi afetado está fazendo voluntariado. Eu normalmente ganho as insulinas lispro e lantus, mas quando fui fazer a retirada do mês, não encontrei a lantus, pois já estava em falta. Fiquei desesperada, porque eu estava usando a última caneta de insulina.
Letícia Martins: O que aconteceu quando você viu que precisava de insulina?
Steffane Pazetto: Saí à procura nas farmácias. Algumas amigas de São Paulo me enviaram dinheiro para comprar, mas o problema é que já não tinha insulina em estoque. Um amigo se dispôs a me ajudar nas buscas. Fomos em oito farmácias até encontrar duas lispro e depois em dez farmácias até encontrar uma caneta de lantus. Porém, para um mês de tratamento, preciso de quatro insulinas ultrarrápidas lispro e quatro lantus, mas eu só tinha três.
Letícia Martins: Como foi quando você se deu conta de que não havia insulina nas farmácias?
Steffane Pazetto: Foi extremamente desesperador, porque a falta de insulina mata mais rápido do que a fome. A taxa de glicose alta causa muita fome e várias consequências. Foi desesperador, não há outra palavra para explicar. Foi quando o Instituto da Criança com Diabetes começou a anunciar que as pessoas que precisavam de insulina poderiam entrar em contato com eles. Eu entrei em contato, eles me orientaram sobre o posto de distribuição em Canoas e eu fui buscar a caneta de lantus que faltava para fechar o mês e as quatro canetas de insulina ultrarrápidas.
Letícia Martins: Em algum momento da sua vida você já havia passado por algo parecido?
Steffane Pazetto: Nunca, porque eu sempre tive o contato com o ICD e nunca faltou insulina para mim nem para as pessoas que são atendidas lá. Nunca tive que ir atrás de uma farmácia para conseguir insulina. Eu poderia ter feito contato com outras pessoas que têm diabetes, mas elas também perderam as casas e as próprias insulinas. Todos os meus contatos tinham perdido as casas e, consequentemente, as canetas.
Alguns amigos me ligaram perguntando se eu tinha reserva de insulina, mas eu não tinha. É desesperador também ouvir um amigo com diabetes dizendo que não tem insulina e você também não dispor nenhuma caneta para ajudá-lo.
Letícia Martins: Você passou por fortes emoções, estresse e desespero, o que também pode comprometer o controle da glicemia. Como você está se sentindo?
Steffane Pazetto: Minha glicose está bem alterada. Estou fazendo 250 a 350 mg/dL e já chegou a ter “RI” [de high, que significa “alto” em inglês], que é quando o glicosímetro não consegue mais fazer a leitura, pois a medição passa de 500 mg/dL. É horrível. No meu caso, eu fico com dores nas pernas, muito dor de cabeça e sequer consigo olhar para a luz. A hiperglicemia causa muita sede, porém muitas pessoas não têm água para tomar. Metade da cidade está sem água.
Letícia Martins: Como foi o encontro com a insulina?
Steffane Pazetto: Eu recebi as insulinas agora há pouco [dia 14 de maio, por volta das 20h]. A equipe do ICD veio até a minha cidade para me entregar. Foi emocionante. Eu me sinto aliviada, porque agora tenho insulina nas mãos. Desde que eu entrei no Instituto da Criança com Diabetes, me sinto amparada. O ICD nunca deixa faltar nada.
Letícia Martins: Você quer deixar alguma mensagem para nossos leitores?
Steffane Pazetto: Bom, para todo diabético tipo 1 que faz o uso de insulina, entre em contato com o ICD-RS, pois a insulina vai chegar até você. Agora o povo está ajudando muito. É o povo pelo povo nas ruas e nos abrigos. Acredito que o povo gaúcho vai superar tudo isso que está acontecendo de cabeça erguida.
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