Por Priscila Horvat*
Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolveram uma meia especial para tratamento do pé diabético, que funciona a partir da liberação de óxido nítrico (NO), uma substância anti-inflamatória que age na diminuição da dor.
Pedro Martins da Silva Filho, professor da cidade de Caucaia (CE), graduado em Química-Licenciatura, mestre e doutor em Química pela UFC, faz parte do grupo de Bioinorgânica da Universidade, que, há 30 anos, trabalha para o desenvolvimento de compostos liberadores de óxido nítrico. Em um determinado momento da pesquisa, os integrantes sentiram a necessidade de expandir os estudos para desenvolver dispositivos terapêuticos.
“Recebemos uma doação de tecido composto de fibras de carbono (carvão ativado) para adsorção (reter composto em superfície de sólidos por interações químicas ou físicas) de íons. Surgiu, assim, a ideia de adsorver um composto liberador de óxido nítrico nesse tecido e desenvolver meias e luvas para tratamento de enfermidades dérmicas”, conta Pedro.
Ele explica que o óxido nítrico acelera a cicatrização de feridas agudas ou crônicas, modula a inflamação e o processo de formação de novos vasos sanguíneos a partir de vasos já existentes. Também possui ação antimicrobiana, impedindo a infecção por bactérias, fungos ou outros patógenos, e permite a circulação do sangue através de sua atividade vasodilatadora, promovendo a migração de células para o local lesionado.
“O pé diabético já faz parte de nosso foco de aplicações. Além do tecido, estamos desenvolvendo um gel contendo nanopartículas liberadoras de óxido nítrico e pinitol para o tratamento de pé diabético”, afirma o professor. Os testes clínicos tiveram início em 2024 em parceria com a Universidade Estadual do Ceará (UECE) e o Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão (CIDH).
Os principais desafios enfrentados pelos pesquisadores nas primeiras etapas foi a avaliação da capacidade adsortiva do tecido de carbono. Eles contaram com a supervisão dos professores Eduardo Henrique Silva de Sousa e Luiz Gonzaga de Franca Lopes, no laboratório LABMA com a orientação da professora Elisane Longhinott e apoio do Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).
Após isso, foi necessário comprovar que o tecido é capaz de liberar o óxido nítrico. “O óxido nítrico é um gás muito reativo. Em tecidos extravasculares, a meia vida é inferior a dois segundos. Assim sendo, era necessário um sistema de entrega lenta e contínua. Até agora, identificamos que o tecido libera NO durante 12 dias. Diante disso, foi necessário proteger a tecnologia, para que assim, seja atrativa às empresas e assim chegar ao mercado”, declara Pedro.
Conforme explica o professor, o óxido nítrico é um gás muito reativo, por isso a necessidade de sistema de entrega, como se fossem veículos capazes de liberar no próprio local de interesse. “Essa é parte mais prática do nosso trabalho, não há a necessidade de uma emulsão, de um cilindro de gás ou outros equipamentos”. O óxido nítrico é liberado a partir da “decomposição” do composto que ocorre lentamente nas fibras e assim entregando o óxido nítrico sobre a pele do paciente.
Quais são os resultados até o momento?
Embora os resultados tendam a ser promissores, o pesquisador ressalta que ainda não existem testes pré-clínicos e clínicos comprovando a eficiência da meia. “O que temos é a comprovação de que as meias liberam o óxido nítrico, um composto com ação vasodilatadora, anti-inflamatória, antimicrobiana. Em breve, iniciaremos testes em cobaias. Se os resultados forem satisfatórios, partiremos para os testes clínicos (em pessoas)”, esclarece Pedro.
Caso os testes continuem com efeitos positivos, a expectativa é obter um produto capaz de cicatrizar as úlceras diabéticas, ou impedir a expansão dessas úlceras, e que chegue ao mercado de maneira acessível.
Complicação do diabetes não controlado
O pé diabético é uma complicação da diabetes, e ocorre quando uma área machucada ou infeccionada nos pés desenvolve uma ferida. Sensação de formigamento, dores e perda de sensibilidade e força são alguns dos sintomas do pé diabético, uma das complicações mais comuns da doença. Seu aparecimento acontece quando a circulação sanguínea é deficiente e os níveis de glicemia são mal controlados e, se não tratada, pode levar à amputação do membro.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), no Brasil há cerca de 13 milhões de pessoas com úlceras diabéticas, as quais podem causar amputação. Em 2023, registou-se uma média de 28 amputações por dia de membros inferiores decorrentes da diabetes. “Desejamos e estamos focados em desenvolver tecnologias para reverter essa realidade”, finaliza o profissional.
*Priscila Horvat é jornalista com foco em saúde e integra a equipe da Momento Diabetes.