Uma das endocrinologistas mais renomadas do Brasil e umas das pioneiras a introduzir em seus pacientes a terapia com bomba de infusão de insulina, Denise Reis Franco é um poço de sabedoria e um mar de simpatia. Com alegria e boa vontade, ela dá conta de uma rotina intensa, que envolve atendimento no consultório, viagens a trabalho, palestras em eventos nacionais e internacionais, pesquisas para a melhoria do tratamento do diabetes, além de dar entrevistas e treinamentos para profissionais de saúde.
Apesar da agenda apertada, ela nunca deixa de atender pacientes que, assim como eu, ligam ou mandam mensagens desesperadas quando a glicemia não entra nos eixos. Ela é o anjo da guarda de muitos deles e já salvou alguns em momentos mais tensos. Por isso, é com alegria a médica que veste a camisa do diabetes foi apresentada na 7 º edição da Momento Diabetes, confira a entrevista.
Momento Diabetes: Há quanto tempo se dedica ao diabetes?
Dra. Denise Franco: Sou médica desde 1985 e terminei a especialização em endocrinologia em 1989. Comecei a focar na área de diabetes em 1994, quando atendi meu primeiro paciente no consultório. Essa experiência foi tão legal que mudou minha vida.
MD: Por que escolheu a endocrinologia?
Dra. Denise: Difícil responder essa, pois durante a faculdade gostava de várias matérias. Porém, eu tinha uma tia que era bióloga e imunologista e eu achava isso demais. Um dia, comentei que queria ser igual a ela para poder trabalhar com pesquisa, mas minha tia me desaconselhou, explicando que era muito difícil, naquela época, fazer imunologia como bióloga e me orientou a estudar medicina. Pesquisei o assunto e vi que a endocrinologia tinha muito a ver com a área de imunologia e foi então que escolhi minha especialidade.
MD: Alguém da sua família tem diabetes?
Dra. Denise: Não há ninguém na minha família com diabetes. A minha escolha pela endocrinologia, sem sombra de dúvida, tem muito mais a ver com a história da minha tia, conforme contei acima.
MD: O que é mais gratificante para você em atender pacientes com diabetes?
Dra. Denise Franco: Tratar doença crônica não é uma tarefa fácil. Por isso, acho que o mais gratificante é saber que, às vezes, com atitudes simples, podemos melhorar a qualidade de vida do paciente e de seus familiares. Isso me ajuda a olhar a medicina de uma forma mais humana e essa possibilidade me dá muito prazer.
MD: E qual é a parte mais estressante desse trabalho?
Dra. Denise: Reconhecer que nem sempre o controle do diabetes depende só da gente. Várias questões estão envolvidas no sucesso do tratamento, por exemplo, em qual fase da vida a pessoa se encontra, se está disposta a abraçar a terapia, se conta com o apoio da família etc. Algumas vezes, o médico está à disposição para ajudar, mas nem sempre o paciente aceita a ajuda ou está pronto para a mudança. Temos que aceitar o tempo de cada um, afinal as metas são deles, não nossas. De qualquer forma, procuro caminhar ao lado do paciente, envolvê-lo em todo o processo e mostrar que estarei sempre presente quando ele precisar.
MD: Na sua opinião, qual foi a maior mudança na maneira de tratar o diabetes desde a sua formação médica?
Dra. Denise: Sou da época dos grandes estudos, como o DCCT e o UKPDS, que mostraram a importância do tratamento intensivo tanto do diabetes mellitus tipo 1 (DM1) quanto do tipo 2 (DM2). Acredito que o grande marco no tratamento desses pacientes foi a chegada do análogo de insulina de longa duração (Glargina) e da insulina ultrarrápida (Humalog). Basta perguntar para uma pessoa com DM 1 que tem um pouco mais de idade como era vida dela antes da Glargina, quando precisava fazer duas, às vezes, três aplicações diárias de NPH e ainda ter flutuações glicêmicas, isto é, altos e baixos da glicemia. Hoje, esse mesmo paciente faz apenas uma picada da insulina Glargina por dia e alcança um controle melhor do que antes.
MD: O sistema de infusão de insulina também pode ser considerado uma revolução no tratamento?
Dra. Denise Franco: Com certeza! A bomba de infusão com sensor de glicose mudou bastante a rotina dos pacientes, possibilitando um tratamento mais flexível e dinâmico. A chegada do FreeStyle Libre é outro marco importante. Tirar ou diminuir a quantidade de testes de ponta de dedo de quem tem a condição sem sombra de dúvida é aumentar a qualidade de vida desses pacientes. No caso dos portadores de DM2, o destaque vai para os novos medicamentos, que permitem uma glicemia mais estável com menor risco de ganho de peso e de hipoglicemia.
MD: Você acredita que estamos perto da cura?
Dra. Denise: Essa pergunta me lembra uma colega endocrinologista que foi diagnosticada com diabetes tipo 1 quando era criança. Ela conta que escutava os médicos dizerem que a cura viria em cinco anos, mas já faz vários cinco anos e nada! Brincadeiras à parte, hoje ela tem uma qualidade de vida muito melhor do que tinha quando era pequena. Além disso, há muito mais acesso à informação. Na época em que me formei, quando havia uma descoberta no tratamento do diabetes ou uma medicação nova, a notícia não era partilhada rapidamente com outras pessoas. Com a globalização, a troca de experiências e conhecimento tornou-se um processo ágil, o que, na minha opinião, permite que estejamos mais próximos da cura. Não é tão fácil quanto se imagina, mas estamos trabalhando para isso.
MD: Como será o tratamento do diabetes tipo 1 no futuro?
Dra. Denise Franco: Embora não haja acesso para todos, a tecnologia ainda tem muito a crescer com a chegada das bombas de infusão que suspendem a insulina quando há risco de hipoglicemia. Em um futuro não muito distante, teremos a chegada do pâncreas artificial. Contudo, acredito que o suprassumo no tratamento estará relacionado aos testes de glicemia de ponta dedo, que serão substituídos pelos sensores de glicose. Desta forma, os pacientes saberão o que ocorrem em seu corpo. As novas insulinas, ainda mais rápidas e inteligentes, que fazem o ajuste de acordo com a concentração de glicose de cada um, também possibilitarão um futuro diferente para quem tem DM 1. Acredito que estamos caminhando para a cura. Caso ela não ocorra, podemos esperar pela preservação do Peptídeo-C, que é o local onde ficam as reservas de insulina.
MD: Qual o seu conselho para quem acabou de descobrir o diabetes ou tem um parente com a disfunção?
Dra. Denise: Procurar sempre se informar sobre o diabetes é essencial. Claro que ninguém quer ter uma doença como essa, aliás, como nenhuma, mas se ela apareceu, a melhor forma de enfrentá-la é com conhecimento. Saber lidar com a doença é fundamental, mas isso é um processo. Para ajudar nesse caminho, é importante se cercar de pessoas, associações, grupos de pacientes e de famílias com diabetes. Desta forma, o dia a dia fica mais leve. Apesar de ser uma doença rara, a família e o paciente precisam entender de que não estão sozinhos e que a vida pode ganhar uma cor diferente quando dividimos nossos problemas com outras pessoas que possuem a mesma rotina. É possível ter uma vida doce, depende apenas de como a gente vai encarar.