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Tratamento O custo da visão: diagnóstico precoce da retinopatia diabética pode evitar cegueira irreversível

Família de São Paulo viveu um verdadeiro drama na luta contra a cegueira causada pelo diabetes mal controlado e pela falta de acesso a consultas com oftalmologista. Especialistas apontam tecnologias e soluções para reduzir o número de casos da complicação.

Momento Diabetes | 21/03/2025

O custo da visão: diagnóstico precoce da retinopatia diabética pode evitar cegueira irreversível

A retinopatia diabética é uma das principais causas evitáveis de cegueira no mundo. A doença ataca os pequenos vasos sanguíneos da retina e pode levar a hemorragias, edema macular e descolamento de retina.

Por Priscila Horvat*

A jornalista Fátima Bellesso, moradora de São Paulo, nunca imaginou que o diabetes tipo 1 (DM1) do filho João Pedro*, descoberto ainda na infância, aos 6 anos, poderia trazer danos irreversíveis.

Durante anos, a família fez tratamento médico na rede particular. Com o passar do tempo e a perda do convênio médico, eles saíram em busca de acompanhamento na rede pública, mas a falta de acesso rápido a exames especializados contribuiu para um desfecho doloroso. Hoje, aos 34 anos, João Pedro está cego devido à retinopatia diabética, uma das principais complicações oculares do diabetes não controlado.

Corrida contra o tempo: uma complicação silenciosa

A retinopatia diabética é uma das principais causas evitáveis de cegueira no mundo. A doença ataca os pequenos vasos sanguíneos da retina e pode levar a hemorragias, edema macular e descolamento de retina. No início, pode ser silenciosa, sem sintomas aparentes, o que a faz ser ainda mais perigosa.

“Essa é uma doença considerada ‘tempo sensível’. Ou seja, se a detecção e o tratamento forem feitos em tempo adequado, existe uma grande possibilidade de preservação da visão. Por outro lado, casos mais graves que tenham uma grande demora na detecção e no tratamento podem evoluir com danos permanentes”, alerta o oftalmologista Dr. Fernando Korn Malerbi, coordenador do Departamento de Saúde Ocular da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e professor afiliado do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp).

A médica Dra. Solange Travassos, vice-presidente da SBD, ressalta que a retinopatia diabética é uma complicação frequente do diabetes mal controlado. “Depois de alguns anos de doença, se a glicose se mantiver elevada, aos poucos, lesará os vasos da retina por diversos mecanismos”, explica a médica, que tem DM1 há mais de 40 anos.

No caso do filho de Fátima, a demora na marcação de consultas e exames impediu que o problema fosse tratado a tempo. “Ele dizia que estava com a visão embaçada e que havia manchas. Tentamos marcar consultas pelo SUS [Sistema Único de Saúde], mas os prazos eram muito longos. Quando conseguimos, ele fez o tratamento a laser por um ano, mas já era tarde demais”, relata a mãe de João Pedro, emocionada.

Ela ainda relembra que, já sem muitas opções, o hospital onde o filho realizava o tratamento informou que ele precisaria fazer uma cirurgia, mas que não seria possível fazer no local, devido à falta de insumos, e que o mais indicado seria voltar a marcar uma consulta inicial em um posto de saúde e começar o tratamento como se fosse do início.

Atordoada, Fátima juntou as economias e fez uma “vaquinha” entre amigos e familiares, juntando o valor suficiente para fazer a cirurgia em um olho. Embora a família tenha feito tudo o que podia, ainda não foi necessário para evitar a cegueira.

A retinopatia diabética é uma das principais causas evitáveis de cegueira no mundo. Foto: Freepik

Filas e espera

A dificuldade de acesso ao atendimento oftalmológico na rede pública é um problema crônico. Procurada pela reportagem da Momento Diabetes, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo informou que, ao longo de 2024, foram realizados 325 procedimentos clínicos ambulatoriais e 49 internações por retinopatia diabética no estado. Em 2023, foram 133 procedimentos e 53 internações.

A falta de um sistema único de organização das filas de espera agrava ainda mais o problema. Atualmente, a Secretaria está tentando mapear as filas descentralizadas para unificá-las, priorizando casos de urgência e emergência. Mas, enquanto as soluções não chegam, milhares de pessoas enfrentam uma espera que pode custar a visão.

Um levantamento do movimento Vozes do Advocacy, por meio da Lei de Acesso à Informação, revelou que, apenas na região de Campinas (SP), mais de 18 mil pessoas aguardam, em média, 227 dias por uma consulta com oftalmologista. Já em Araçatuba (SP), a espera chega a ultrapassar um ano.

Com o avanço da tecnologia e o aprimoramento da inteligência artificial, o cenário de diagnóstico e tratamento precoces poderia ser completamente outro, como analisa vice-presidente da SBD: “Hoje em dia, os retinógrafos, equipamentos usados na triagem, estão muito mais baratos. Além disso, a triagem pode ser feita por um profissional de saúde que não precisa ser oftalmologista. As fotos podem ser mandadas para uma central com o uso da inteligência artificial, que identificará se o paciente precisará ou não passar em consulta por um oftalmologista”, explica a Dra. Solange.

“Acredito que o que falta na rede pública é planejamento e vontade política. Porque, com a tecnologia que existe hoje, já seria possível minimizar muito o problema da lesão ocular no diabetes. E, óbvio, é necessário fornecer tratamento para o diabetes, incluindo monitorização da glicose, acesso a medicamento etc.”, argumenta a médica.

Retinógrafo portátil, equipamento usado na triagem, que pode ser feita por qualquer profissional de saúde, não necessariamente um oftalmologista. Foto: Phelcom.com

Soluções possíveis

Para o Dr. Malerbi, a solução passa por vários eixos. “A educação em diabetes é essencial, tanto para pacientes quanto para profissionais de saúde, familiares e cuidadores. Também é necessário fortalecer a atenção primária para que os casos mais graves sejam priorizados para o atendimento especializado”, expõe.

A tecnologia pode ser uma aliada importante. Sistemas de telemedicina e triagem por imagens da retina, analisadas por inteligência artificial, como também apontou a Dra. Solange, podem agilizar o encaminhamento dos casos mais graves. “Com equipamentos portáteis e conexão remota é possível levar exames para regiões onde não há especialistas, reduzindo as filas e evitando que pacientes percam a visão pela demora”, acrescenta o especialista.

Mas enquanto isso, famílias esperam

Fátima segue lidando com os desafios da cegueira do filho. E adaptar-se a essa nova realidade não foi fácil. “A gente nunca imagina que um jovem vai perder a visão assim, de uma hora para outra. Ele está tentando se reerguer, aprender a viver sem enxergar. Mas essa não deveria ser a história dele nem de nenhum jovem. Com atendimento adequado, esse quadro lamentável poderia ter sido evitado”, desabafa.

João Pedro viu seu mundo escurecer aos poucos. Ele trabalhava em um escritório no centro da cidade, tinha uma vida social ativa ao lado da namorada. Hoje, está afastado de todas as atividades que tanto gostava. Parou de trabalhar, de dirigir e precisa de ajuda para fazer as tarefas mais simples do cotidiano. Está todos os dias em casa, recebe apenas um salário-mínimo como auxílio-doença e agora enfrenta uma depressão.

‘Acesso à Saúde Não Pode Esperar’

Foto: Reprodução @vozesdoadvocacy

Por histórias como essa e tantas outras é que o movimento Vozes do Advocacy, que reúne 27 organizações de diabetes no Brasil, lançou a campanha “Acesso à Saúde Não Pode Esperar”. O objetivo é chamar a atenção do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, para a necessidade de melhorar o acesso ao tratamento do diabetes e da obesidade no Estado.

Em novembro de 2023, a organização revelou que mais de 14 mil pessoas esperam quase 280 dias por uma consulta oftalmológica na Grande São Paulo, enquanto exames de retina podem levar mais de um ano para serem agendados em algumas regiões. A campanha pretende mobilizar influenciadores digitais e pressionar o governo a agir.

“O Estado precisa entender que a não implementação de políticas públicas, que possam melhorar a adesão das pessoas ao tratamento do diabetes, evitando assim uma série de complicações, como a cegueira, é um retrocesso tanto para a saúde das pessoas como também para o próprio Sistema Único de Saúde”, defende Vanessa Pirolo, presidente do Vozes do Advocacy.

* Nome do João Pedro foi alterado a pedido da família para proteger a privacidade do paciente.


*Priscila Horvat é jornalista com foco em saúde e integra a equipe da Momento Diabetes.

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